domingo, 5 de setembro de 2021

UMA NOITE NO INFERNO

 

UMA NOITE NO INFERNO

 

Quando viemos para o Valtelina, foi a descoberta do paraíso; lugar de paz, tranquilidade e harmonia. E noites muito silenciosas, até fiz um poema sobre o silêncio que está no meu último livro de poesia: POESIA NOSSA DE CADA DIA.

Inicialmente, em outubro de 2012, dividíamos nosso tempo ficando aqui uma parte da semana e alguns dias em Jacarepaguá. Cada vez mais, notávamos que as noites no Rio não eram tranquilas como as daqui; as de lá faziam desaparecer meu sono com ruído forte e irritante de moto na madrugada e outros barulhos. Agora dizem que está pior por causa de tiroteios. Bem, o certo é que mudamos definitivamente para o Valtelina.

Foram anos de tranquilidade e muita amizade. Segurança, conforto e tranquilidade. Este ano as coisas foram mudando e uma dessas mudanças está me irritando sobremaneira.  Uma matilha de cães vem me deixando pré-ocupado. Entre esses “sem donos” dois cães se destacam; o Japa (um doce de cachorrinho que me ama) e o Moreno, também chamado de Caio); cachorro forte, muito jovem, que também me adora e gostaria de ficar comigo. Mas eu prefiro ver os dois bem longe de mim. Uma distância suficiente para não os ouvir. Várias noites eles têm me tirado o sono e acabado com minha tão amada tranquilidade.

Hoje foi horrível pela acumulação de noites mal dormidas e por ver tantas tentativas frustradas de resolver a coisa sem raiva ou violência. O mais doce e manso dos abandonados é o Japa e foi ele o meu tormento.

Seus latidos me acordaram. Levantei-me e sem acender luz nenhuma fui ver o que o incomodava; seria um gambá ou outro bicho noturno caminhando sobre o muro? Seria um ladrão? Claro que não, devia ser algum bicho que ele não conseguia pegar. Quando abri a porta dos fundos, ele já estava como que me esperando, sentado e alerta. Olhei em volta e tudo estava parado, nem um movimento, nada de vento, claridade suave do sistema de iluminação da rua e do vizinho. Dava para ver tudo, nada de bicho, nem de movimento; as plantas estavam com as folhas paradinhas. Isso é raro aqui!  Fui até o portão, saí e na rua onde a claridade era maior.



 (Agora ainda estou ouvindo os latidos do Japa, enquanto escrevo. São cinco da madruga!)

Voltei e quase deixei escapar a Joia, cachorra pretinha que dorme dentro de casa. Essa não dera nenhum latido, mas já se preparava para fugir e correr pelas ruas com seu companheiro querido. Não devia permitir, eram duas horas. Tomei o remédio homeopático para dormir e fui para a rede, pra variar.

Estava tentando voltar a dormir, repassando mentalmente um trecho da minha peça POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS, mas logo os latidos recomeçaram. Pensei “já sei como resolver isso, vou trancar o Japa na oficina. Lá fica longe e com a porta fechada o som dos latidos não vai chegar ao meu quarto.

Desci e quando abri a porta, lá estava o safado, calado, mas precavido. Tentei atraí-lo para a oficina com carinho. Não foi atrás de mim. Levei para lá o ninho feito com caixa grande de papelão duro e forrado com panos fofos. Levei também o tapete da entrada, da porta dos fundos, em que ele estava sentado naquele instante. Ele saiu e foi me acompanhando até a porta da oficina, mas não entrou. Chamei-o e nada! Então me aproximei dele, fiz carinho, abracei-o e peguei no colo. Levei e tranquei na oficina. Fui para meu quarto, fechei as portas para deixar o som lá fora, se ele latisse. Estava tentando dormir quando, frustrado, descobri que não funcionou como eu pensava; os latidos se faziam ouvir dentro do meu quarto como se ele estivesse no cômodo vizinho. Não consegui acreditar.

Desci logo e fui abrir a oficina para ele sair, o que fez rapidamente. Planejei expulsá-lo jogando água fria. Procurei a longa mangueira de molhar as plantas, liguei a bomba e corri atrás dele, mas não consegui alcançá-lo pois estava sempre mais adiante do jato d’água e agilmente já pulava o muro, muito antes de eu conseguir chegar perto do portão. Pensei, ele não vai voltar mais, já entendeu que eu estou aborrecido.

Retomei o processo de voltar a me acalmar e voltar a dormir. Doce engano, ali estava ele a latir, bem debaixo da janela do meu quarto. Ah! Era demais. Desci a escada correndo, abri a porta dos fundos e... para minha surpresa a pretinha, a Joia, espertamente escapou por entre minhas pernas. Fiquei fulo, ela poderia escapar e ir pra farra com seu amigo. Isso não, minha mulher iria brigar comigo por ter deixado isso acontecer. Corri também e consegui fechar o portão lateral para que ela não saísse. Voltei, entrei e fechei a porta dos fundos, deixando presa no quintal. Rapidamente, abri a porta da sala e saí no encalço do Japa que já havia pressentido minha irritação e escapado para a rua. Fui atrás e ele já estava bem mais à frente, corri atrás dele e vi uma pedra no canto da rua. Peguei-a e irritado atirei-a no rumo dele. Sabia que não conseguiria atingi-lo, mas ele ficaria com medo e não voltaria. E assim fui fazendo, por três vezes e duas quadras. Pensei, “agora ele não volta”.

Nooovaaamente fui para a rede, mas logo um barulho me irritou. Era a pretinha tentando abrir o portão lateral para fugir e brincar com seu amigo que latia, bem longe, mas não o suficiente para eu não ouvir. Desci e coloquei a Joia pra dentro e ela joiamente obedeceu, sem dar um latido ou grunhido. É uma joia mesmo!

Nem voltei para o quarto. Sabia já que não conseguiria mais dormir. Aquela movimentação toda já estava me dando até calor. Você vai pensar, “podia abrir as portas e janelas”. Não adiantaria, porque não havia nem o mínimo sinal de brisa e os latidos ficariam mais audíveis.

Fiquei pensando em coisas tolas, infantis, como por exemplo, que se alguém fizesse um abaixo-assinado para sumir com essa cachorrada, inclusive o Japa, eu assinaria. Tive uma ideia melhor; vou pedir pousada a alguém amigo, seja na Praia Seca, Araruama, Iguaba ou Cabo Frio e ficar por lá até que isso se resolva. Ah! Posso ir morar com minha irmã em Utatuba! Mana! Me aguarde!

Um comentário:

zilda maria sousa da cunha. disse...

rrr...pena que não foi uma comédia. Mas tô rindo, aliás gargalhando. Uma pena, mas doe os bichos e peça a Deus que vizinhos, os novos, não os tenham. Por falta do que fazer, hoje, ter gato e cachorro virou febre. Aqui, de dia, à noite e madrugada é a música que rola. Já uso fone de ouvidos para não enlouquecer...