terça-feira, 30 de junho de 2020

INTERRUPÇÃO NAS MEMÓRIAS

Desculpem, não pude cumprir minha palavra e vou demorar mais uns dois dias para fazer próxima postagem sobre a história do garoto Geraldo, primeiro pelos problemas de defeito em computador, em segundo lugar pelos problemas da minha casa que teve metade dos cômodos arruinada pelo incêndio de 18 de maio. É muito material que temos de procurar e descobrir onde encontrar e comprar. Em tempo de quarentena não é nada fácil. Boa sorte pra vocês e obrigado pela visita.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

NEM TODA INFÂNCIA É MARAVILHOSA


CAPITULO III
Os dois primeiros anos de vida do garoto não foram nada auspiciosos; teve varíola e foi cuidadosamente protegido pela mãe, mantendo-o deitado em folhas de bananeira para que as bexigas não arrebentassem e deixassem cicatrizes, mesmo assim umas poucas deixaram marcas que ainda podiam ser notadas vinte anos depois.
Um acidente horrível quase causou sua morte. Seu pai havia cavado um grande buraco em que depositou cal virgem e depois jogou água, o que provoca uma reação de calor muito forte. Aquilo era perigoso, mas por inexperiência não cercou o local. Uma prima, Maria, que estava brincando com o menino, correndo em volta daquele poço que parecia um vulcão em ação, empurrou-o por motivo que ninguém tem como descobrir e o infeliz mergulhou naquela fervura, quase morrendo. Felizmente foi socorrido a tempo e levado ao hospital, tendo ficado cego temporariamente. Vou ver se encontro uma foto dessas duas crianças brincando, não naquele dia, mas alguns meses depois.
Não me lembro de muita coisa mais que tivessem me contado. Um dia, Geraldo perguntou a sua mãe sobre uma lembrança confusa, vaga, contou que às vezes se lembrava de um caixão sendo transportado por quatro pessoas, que desciam uma escada como a da casa do seu Neco. Devia ser quando era muito pequeno, porque, segundo ele, quase nada conseguia recordar antes dos seus cinco anos.
A mãe ficava confuso e dizia que ocorreram duas mortes quando ele era pequeno, mas não julgava possível ele se lembrar de qualquer uma delas. Uma foi de sua irmã, Cleusa, que nasceu um ano depois dele e faleceu antes de completar seu primeiro ano de vida. A outra, ocorreu algum tempo depois, mas não muito, fora o falecimento da negra que a criara, que cuidou dela, e que ela considerava sua segunda mãe. Era para a negra Quitéria que ela contava seus segredos, seus sonhos, seus desejos. A negra ainda se lembrava da alegria que teve aos oito anos quando aconteceu a libertação dos escravos.
Entre as poucas lembranças que conseguiu preservar dos anos antes de ingressar na escola, está uma que foi seu primeiro choque com o tipo de educação e relacionamento com seu pai. Certa tarde, ficou se distraindo na casa dos avós e não percebeu quando o sol se pôs.  Teria que sair da casa deles, descer pela rua à esquerda até o primeiro beco, escuro, que subia até a rua da igreja e lá descer pela laderia que leva para sua casa. Falou do medo do escuro e os avós o aconselharam a dormir ali mesmo e ir para casa no dia seguinte bem cedo. Ele adorou a ideia, mas nem imaginou o que poderia acontecer.
No outro dia, foi bem cedo para casa e ninguém tinha acordado ainda, então ele sentou na varandinha que havia na porta de entrada. Acabou adormecendo e foi acordado pelo pai, que deu uma bronca e nada adiantou ele falar do medo do escuro. Mas o pior de tudo aconteceu à noite, quando o pai chegou do trabalho e ordenou que ele fosse comprar pão, fiado, na venda do seu João, que ficava depois do cemitério. Disse que era para ele aprender a vencer o medo.
Ele tentou de tudo para evitar isso, mas seu pai foi implacável. Ele foi orando o tempo todo e olhou somente para o lado contrário do cemitério, quando passou por ele. Na volta, lembrou-se de que um amiguinho tinha dito que à noite dava pra ver as almas que saem da sepultura pra ir para o céu. Não resistiu e olhou para o cemitério e garantiu no dia seguinte, para seu amigo, que viu uma fumacinha branca saindo de um túmulo e subindo para o alto. Não viu mais nada porque correu desesperado até chegar em casa.
Outra lembrança que ganhou uma recordação emocionando na década de 1960, foi uma conversa com sua vó, Dindinha Dinoca, olhando para uma linda lua cheia no fundo do quintal.
- Um dia, Dindinha, o homem ainda vai pisar na lua.
- Bate na boca, menino! Dizer isso é pecado, se Deus pôs ela tão longe é pra ninguém ir lá. Logo você vai fazer a primeira comunhão, vai ter de confessar isso ao padre.
Arraial do Cabo, 19 de junho de 2020.
DIA 22 continuarei.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

QUANDO TUDO COMEÇOU capítulo II


Capítulo II

No dia seguinte ao casamento, ou dois dias depois, não me lembro desse detalhe, o marido revelou o outro lado de sua personalidade que até agora ela não vira. Ele tinha acordado primeiro e estava na varandinha olhando para a rua e para o horizonte. Ela se aproximou amorosa, ainda apaixonada e abraçou-o por trás, mas bruscamente ele afastou os braços dela e com voz rude, falou:
- Pare com isso, alguém pode passar e ver.
Ela ficou pasma com aquilo, mas não teve voz nem palavras para reclamar. Ficou murcha e ficaria mais ainda, semanas depois, quando veio a menstruação e ele entrou no banheiro antes que ela tivesse lavado ou tirado a calcinha de lá. Ele a atirou quase na cara dela, dizendo algo assim como “tira essa porcaria daqui”. Aí matou seu desejo, dezenas de anos mais tarde, confessou para sua filha caçula que ela jamais soube o que era um orgasmo. Não é difícil entender o motivo.
Não soube quando, nem como, mas ouvi dizer que os dois anos depois do casamento, passaram a viver em um sítio ou chácara,  tendo recebido ajuda e alguns animais do pai dela, seu Neco. Quando se referiam a esse lugar, diziam lá na Paciência. Depois José perdeu tudo e teve que pagar as dívidas do armazém com um cavalo e um revolver Colt, coisa que ele lamentou durante muito tempo. Foi antes disso que ela engravidou de seu primeiro pimpolho.
Quando estava no sétimo mês da gravidez, seus pais vieram visitá-la. Era o mês de agosto e os ipês estavam floridos. Por vários caminhos, no campo, podiam ver o amarelo das flores. O médico da região, Dr. Élvio, profissional dedicado e apaixonado por seu trabalho, passava pelo lugar e lembrando-se da filha do seu Neco e de sua gravidez, resolveu visitá-la para ver como estava.
Era um fim de tarde e final do mês. Todos ficaram surpresos com a visita do médico.
- Passei para ver como está minha paciente e essa criança que em breve virá.

Fechou-se com ela no quarto e após o exame, saiu e disse aos pais dela:
- Arrumem um cantinho pra mim. Acho que será bom eu passar a noite aqui!
Todos ficaram ansiosos e fizeram muitas perguntas, mas ele só dizia que não sabia o que prever, mas dizia que desejava estar por perto para ver o que seria. Talvez a criança fizesse uma surpresa. E fez mesmo, na manhã de 31 de agosto de 1945, ano do fim da grande guerra, nasceu o filho de Totó, que era tão frágil e miudinho que seu Neco batizou-o por julgar que não sobreviveria.

Apesar desse medo todo, o menino sobreviveu. Ah! Ao batizar a avó sugeriu que pusessem o nome do santo daquele dia, Raimundo. Totó arrepiou-se toda, protestou e disse que não, que ela já havia feito uma promessa para São Geraldo. Então, o menino foi batizado como Geraldo.
Quatro dias depois, levaram o bebê para a matriz do município de Santa Bárbara do Mato Dentro. Quando disseram que seu Neco havia feito um batismo improvisado e estavam ali para que o padre o batizasse de verdade, o sacerdote disse, sorrindo:
- Quê que é isso seu Neco? O senhor batizou, esta muito bem batizado, melhor do que se fosse eu. Vou só botar o santo óleo e fazer o registro.

Arraial do Cabo, 17 de junho de 2020.

domingo, 14 de junho de 2020

QUANDO FOI QUE TUDO COMEÇOU?


Eu não sei, mas ouvi falar algumas coisas que vou procurar contar aqui, mas pode não ter sido bem assim. Depois até, vou contar um caso que eu sempre contava e que acreditava piamente que era tudo daquele jeito que eu contava e que tudo aquilo tinha acontecido comigo quando criança, mas... depois eu conto. Vamos ao que fiquei sabendo que aconteceu com eles.
Nossa história começa, provavelmente, em 1943. Se não foi exatamente nesse ano, pode ter sido um ano antes, ou depois disso, não passa disso.
Ela era uma moça de apenas 16 anos e sentia-se diferente das outras mulheres, principalmente diferente de suas 8 irmãs. Identificava-se mais com os irmãos, com quem trabalhava na roça. Nada de ficar na cozinha e na costura ou demais atividades das mulheres. Sabia fazer de tudo, mas gostava mesmo era de estar plantando milho, feijão e outras cositas. Tinha arrepios de irritação quando lhe falavam em casamento, dizia que jamais se casaria com caipiras cascudos.
Ele apareceu como um príncipe inesperado. Viera com um caminhão, passando pelas fazendas encomendando carvão que levaria para a companhia siderúrgica que fica em outra cidade.
Naquela fazenda, em que ela vivia, era a primeira vez que alguns trabalhadores viram um caminhão. Chegara quando o sol caía e viera com os faróis acesos, por isso no dia seguinte, quando apareciam outros trabalhadores ou moradores dali, os que viram aquela maravilha chegar, pediam para o motorista:
- Acende os óio do bicho pr'eles vê!
E o motorista atendia, rindo-se muito daquela ingenuidade toda.
Esse motorista tinha 32 anos, nascera em Belo Horizonte, último filho de um espanhol chamado Agapito. Era muito bonito e ela se apaixonou por ele, que parece ter correspondido. Tanto que á noite, andou bebendo com os rapazes dali e cantou com voz poderosa canções que falavam de amor. Ela jamais se esqueceria dos versos como "Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada... Quero matar os meus desejos, sufocá-la com meus beijos..." Aquilo deixou-a tonta de desejo, enfim, era o homem de seus sonhos; bonito, romântico, despertava admiração de todos, vinha da cidade, e parecia inteligente acima daqueles caipiras dali. Ficou tão maluca por ele que no dia seguinte, entrou no quarto dele logo cedo. Absurdo isso, uma moça entrar no quarto de um homem, e um homem que mal conhecida, e com o dobro de sua idade. Se qualquer pessoa descobrisse isso seria um escândalo horrível. Mas não foi qualquer pessoa, foi o pai dela. O pai dela bateu na porta, pedindo para conversar com o forasteiro.
O quarto em que estavam dava para uma lateral onde havia o curral em que dormiam as vacas e onde tiravam o leite delas pela manhã. Era muito alto para ela poder saltar pela janela.  Apavorada pediu que o motorista segurasse um lençol em que ela se dependurou e foi baixando para o curral, mas não foi suficiente e ela teve que saltar. Ao cair, torceu um dos pés e foi mancando que no outro dia foi pra roça plantar milho. Um dos seus irmãos com a enxada fazia a cova, ela jogava os grãos e com o pé empurrava a terra para cobrir as semente. Sofreu dores fortes o dia todo, mas não deu o braço a torcer.
Ainda bem que valeu a pena, porque ele a pediu em casamento e meses depois puderam se casar. Um sujeito bonito, de quem contarei algo mais tarde, bonito mas caipira pé duro, apaixonado por ela, não conseguiu acreditar e ficou escondido atrás de uma árvore para ver se era verdade tal casamento. Coitado, que desilusão!

Arraial do Cabo, RJ, 14 de junho de 2020

Depois de amanhã continuarei.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

CAMÕES lírico; três sonetos que falam do AMOR

Você tem 4 minutinhos pra dedicar à poesia renascentista? Veja e ouça 3 lindos sonetos do mais importante vate lusitano: LUÍS VAZ DE CAMÕES. Clique no link e libere sua emoção
https://youtu.be/aAaNMmrFI4I