quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O CAVALEIRO ANDANTE - Poema completo

O CAVALEIRO ANDANTE

 

O sol vermelho de sangue

punha-se no ocidente

e o cavaleiro andante

com os olhos doentes

Não viu onde acoitar-se.

Dias e dias a cavalgar

cavalgar sem descanso

sem dar tréguas ao corpo

morto por um sono seguro

por paz ao seu coração manso.

Já noite alta a treva desce

mas logo uma luz aparece

uma cabana nasce

e se destaca das trevas

e o atrai e seduz.

Aporta à porta o cavaleiro

e chama por cama

e chora por um repouso.

Vem uma donzela e oferece pouso

ao cavaleiro sem rumo.

Ele não pergunta seu nome

Ela não explica nada

só abre a porta e os braços

e lhe entrega  alma e casa.

Ele tira a armadura

como um pássaro abre as asas

tinir de metais duros

como a sua vida

logo se sente leve

como ave que recebe som nas plumas

como pensamento de criança.

 

No fogão uma lavareda dança

como prenúncio de festa.

Há muitos anos sem mulher

Há muito tempo sem amor

Não sabe o andarilho o que dizer

os gestos ficam presos no peito

e de um jeito sem-jeito

diz: “Vou usar a tua cor”.

Ela, plebeia, não sabe dessas finuras

viveu todas as amarguras

mas tem bom senso

e uma bela intuição

abre-lhe agora o coração

e diz: “Aqui tens um peito amigo

faz de mim teu abrigo

dorme esta noite comigo”.

Ele não pregou o olho um segundo

não reclamou do duro chão

nem do frio malvadeza

mas desfrutou com certeza

daquela respiração mansa

com sopro leve de criança

como brisa de esperança.

Sua perna sobre a dele não pesava

quase nada

e como que aliviava

o peso da roupa fria

que há tanto o aprisionava.

Agora, sob o corpo dela, era livre.

Estava preso por vontade.

No outro dia, a donzela

disse que a vontade dela

era viver sem compromisso.

Ele disse: “Não posso isso,

Sinto como um feitiço,

não posso partir daqui,

quero fazer de seu corpo minha morada,

do seu sexo minha estrada,

de seu riso minha espada,

não posso querer mais nada”.

Ela tenta afastá-lo  com tristes declarações:

“Parte homem, enquanto é tempo,

eu vivi louca, desvairada,

três bandidos me possuíram

me marcaram até na alma

e eu me entreguei com calma,

com volúpia, com tesão,

agora não posso mais ser sua.

Amizade é o que lhe tenho,

amizade é o que lhe dou,

amizade é só o que basta.”

“Basta”, disse ele. “Eu não posso com tão pouco

e tampouco me importa com quantos

bateram à tua porta.

Você continua pura.

Você continua santa,

mais que tantas que jamais tiveram homem!

O que é sujo lava e some.

O que doeu vira lembrança

e aos poucos desaparece.

Eu quero cobrir seu corpo.

Eu quero beijar seu riso.

Eu quero beber seus beijos,

me alimentar de seus abraços.

Sem você serei quixote

louco a lutar contra moinhos.

Serei Galaad perdido pelos caminhos,

Artur sem távola redonda,

Camões sem Dinamene,

Dante sem Beatriz”...

parou e, por um triz,

não mastigou o soluço

que concreto se fizera,

mas que foi dissolvido

na saliva de um beijo

como nunca houve outro

não houve, não há, não houvera

nem haverá.


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