terça-feira, 19 de julho de 2016

SAGARANA nos vestibulares.

A leitura de Sagarana sempre foi cobrada em provas e em exames  vestibulares. A obra está analisada e condensada no NOVO LIVRO DA FUVEST, vai aqui uma amostra grátis de parte desse trabalho:

CONTO CONDENSADO E COMENTADO

O Burrinho Pedrês

A fazenda do Major Saulo está em clima de agitação. Prepara-se a saída de uma boiada. O burrinho Sete-de-Ouros está esquecido a um canto, já aposentado de tão velho. Sete-de-Ouros já teve muitos nomes: Brinquinho, Rolete, Chico-Chato e Capricho; mudava de nome, sempre que mudava de dono. Vivera muitas aventuras, mas agora gozava seu descanso na fazenda da Tampa, do Major Saulo. Faltavam cavalos para conduzir os vaqueiros, pois alguns deles tinham fugido à noite e ainda não tinham sido encontrados. O velho burro lambia um resto de sal perto da varanda, todo sossegado, quando foi visto pelo Major que logo ordenou que fosse preparado para a viagem.  Os boiadeiros partem conduzindo a boiada. O vaqueiro Manico, contrariado, vai no burrinho, sofrendo as gozações dos colegas. Francolim é o braço direito do Major, que o chama de “mulato mestre meu secretário”. Ele alerta o Major para uma briga entre Badu e Silvino, por causa da namorada do Silvino que o trocou pelo Badu. A vingança poderia ocorrer durante a viagem. O Major Saulo parece não dar a mínima, mas como quem não quer nada, mineiramente vai perguntando, recolhendo informações e analisando os dois rivais. Enquanto viajam, vão cantando ou contando casos, de onças e de bois, como a história do boi Calundu.[1]
Num ponto do caminho, aproveitando um momento de distração, Silvino atiça um touro contra Badu, num instante em que ele está desmontado. Badu consegue escapar do animal com agilidade. Francolim, por ordem do Major, troca de montaria com Manico por algum tempo, mas entra no povoado já em seu cavalo, o que conseguiu só depois de alegar ao Major Saulo que não ficaria bem entrar montado em um burrinho, já que ele era o capataz.  Entregues os bois, os homens recebem folga. Major Saulo não voltará com os vaqueiros, por isso passa o comando a Francolim, dizendo-lhe que estava certo sobre Badu e Silvino, e que acha que este último realmente vai tentar matar o outro. Pede que tome todo cuidado e vigie Silvino o tempo todo.  Todos vão beber, Badu parece exceder-se. É o último a montar e só deixaram para ele o burrinho. Enraivecido, bêbado, mas sem outra saída, monta o burrinho e vai atrás dos outros. A noite é de breu, de total escuridão, e os vaqueiros vão em fila indiana. Quando se aproximam de um pequeno córrego, por onde passaram de dia com a maior facilidade, um deles lança sinal de alerta. O aviso de perigo não é por causa do piado do pássaro João Corta Pau, mas porque os cavalos estranham o terreno pantanoso. Chovera na cabeceira do rio e houve inundação. Todos temem a enchente. Resolve-se que o Badu deve seguir primeiro, porque está no Sete-deOuros: “O burrinho é quem vai resolver: se ele entrar n‘água, os cavalos acompanham, e nós podemos seguir sem susto. Burro não se mete em lugar de onde ele não sabe sair!” (p.73)
Sete-de-Ouros seguiu e os demais entraram nas águas com cautela, menos Juca e Manico, que ficaram. O burrinho seguia calmo e decidido, carregando o Badu, que de tão bêbado, só se agarrava ao pescoço do animal, sem tomar conhecimento do perigo. Um torvelinho forte e confuso de águas separou-os, confundiu-os e atirou-os de cima das montarias. Na confusão, Francolim salvou-se agarrando-se ao rabo do burrinho, que foi o único animal a alcançar o outro lado em segurança. Lá chegando, escoiceou o caronista imprevisto e continuou em seu retorno para o lar. Dessa forma, graças a Sete-de-Ouros, somente Francolim e Badu se salvaram daquela tragédia, em que oito vaqueiros morreram afogados. Assim, encerra-se o conto e a aventura de um anônimo e humilde herói, Sete-de-Ouros. “Folgado, Sete-de-Ouros endireitou para a coberta. Farejou o cocho. Achou milho. Comeu. Então, rebolcou-se[2], com as espojadelas obrigatórias, dançando de patas no ar e esfregando as costas no chão. Comeu mais. Depois procurou um lugar qualquer, e se acomodou para dormir, entre a vaca mocha[3] e a vaca malhada, que ruminavam, quase sem bulha, na escuridão.” (p.79)  

Comentário:O burrinho pode ser visto como a alegoria de qualidades como paciência, humildade, sabedoria, experiência de vida.



[1] Acontece muito nas obras de Guimarães Rosa aquilo que o crítico Tzetan Todorov denominou narrativa de encaixe. Sempre aparecem outras narrativas encaixadas na narrativa maior.
[2] O mesmo que revirou-se.
[3] Vaca sem chifres, seja porque foram cortados ou porque nasceu sem eles.

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