terça-feira, 21 de outubro de 2014

UM GAÚCHO DE PERNAMBUCO? EM ARRAIAL DO CABO?

O GAÚCHO DE PERNAMBUCA

(Está incluso no livro A VIDA QUE EU VI publicado pela Agbook.)
      Você conheceu o gaúcho da Pernambuca? Não, da Pernambuca mesmo. Não é de Pernambuco, já imaginou que gozado; um gaúcho de Pernambuco? Nada disso, era daqui da praia de Pernambuca, na divisa de Arraial com Araruama. Falei era daqui, por falar, ele apareceu, assim, do nada, um dia apareceu pedindo comida na casa da Rose, essa que trabalha aqui com a gente na pousada. Ela diz que ele nunca falou do passado dele, nem as outras pessoas que conheciam ele, ninguém nunca soube de onde ele veio, nem o que fazia antes. Aqui, ele pedia. Era um pedinte. Mas pedia com educação, com humildade. Era gentil, engraçado. Vez em quando trabalhava em coisa simples como cortar uma grama, ajudar alguém a cavar um buraco, um alicerce. Bebia, mas não de cair na rua ou fazer vexame.
      A Rose diz que a primeira vez que ele apareceu no portão dela, fez figura, falando com educação:
     - Minha senhora, desculpe-me se a incomodo, mas estou com fome e gostaria de lhe pedir para me arrumar alguma coisinha para comer.
     - Entra, vem comer com a gente.
     Parece que até esse dia ninguém tinha convidado ele para entrar, sentar na mesa com a família. Então, ele acabou voltando mais vezes e depois ficava conversando como se fosse um velho amigo da casa. Costumava ajudar em alguma coisa, teve um dia que ele até levantou antes da mesa, antes dos outros terminarem, e lavou toda a louça, assim, naturalmente, conversando, como se fosse um costume dele.
     Aconteceu um dia, de ele aparecer e a Rose ficar sem jeito, aborrecida, porque não tinham qualquer mistura em casa. E quando falou isso para ele, ficou ofendido, protestando que que ela estava pensando dele, que era como eles, que se eles iam comer sem mistura, ele também comeria porque ele não era ninguém especial, não era mais do que eles, que bobagem é essa, ele falou. Então ela pôs comida para ele que comeu tudo e quando terminou, elogiou:
       - Que feijão com arroz mais gostoso! Comidinha boa assim, nem faz falta de mistura.
      Várias semanas depois disso, a coisa ficou preta pra eles. O marido dela quebrou a perna jogando bola num domingo e ficou sem trabalhar uns dias. Ela precisou gastar com remédio para um filho que ficou muito doente. Até que certo dia, comeram o resto do que havia em casa e ficaram sem nada, mas nada mesmo para comer. Ela até desligou a geladeira depois que ficou vazia. E foi nesse dia que apareceu mais uma vez o gaúcho. Nessa época, ele já não chamava mais no portão, entrava direto. Quando Rose viu ele na cozinha, porque a casa dela não tinha sala, a cozinha servia de sala-copa e cozinha, então, como eu dizia, quando ela viu ele, ficou muito triste e a cara dela não engana ninguém, o que ela sente fica na cara. Se ela tá bem, você olha, vê ela sempre risonha, com aquele bocão escancarado. Se está ruim, não há jeito dela rir, de jeito nenhum. Então o gaúcho olhou para a cara dela e viu logo que a coisa não estava boa. Perguntou e ela falou:
       - Hoje tá difícil. Ele de um movimento rápido e natural abriu a geladeira e fechou.
       - Puxa vida, não tem nada mesmo!
      Só falou isso e saiu imediatamente sem nem mesmo dizer tchau. A Rose não achou estranho, não pensou nada a respeito do gesto dele. Eu, quando ela me contou, achei que ele foi um ingrato, quando havia comida ele ficava, conversava, agora, numa hora dessa, será que ele não podia conversar um pouco? Não é? Isso, distrair ela um pouquinho. Mas não era nada disso não, umas duas horas depois, ou pouco mais, voltava o gaúcho com uma senhora e os dois, em cada mão, traziam uma sacola, cheia de alimentos e ainda duas quentinhas cheirosas. A Rose virou uma cachoeira de tanto chorar.

     A Rose continua trabalhando aqui. Ele não, morreu. Ah! Não sei lhe dizer não. Só sei que o gaúcho morreu.
Geraldo Chacon

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