LÍNGUA
BRASILEIRA OU PORTUGUÊS FALADO NO BRASIL?
Durante a semana
alguém manifestou seu desejo que denominássemos nossa língua de
brasileira e não de portuguesa. Nao hora disse-lhe que não via
motivo para isso, mas não argumentei, nem desenvolvi o assunto, por
falta de tempo. O problema, no entanto, ficou dando voltas na minha
cabeça como um besouro inoportuno.
Não foi a
primeira pessoa que me disse isso e lembro-me vagamente de, no
passado, já ter também pensado dessa maneira. É óbvio que nos
orgulhamos do nosso idioma e olhamos para ele com certa vaidade e
satisfação por saber que ele foi enriquecido pela língua dos
índios, dos africanos, italianos e tantos outros povos com seus
idiomas característicos. Claro que não podemos deixar de lembrar as
mudanças que nós mesmos vamos proporcionando a cada dia, quase sem
perceber, e quando damos conta, a linguagem dos nossos filhos já
ficou muito distante da que falavam nossos queridos avós. Isso é
fatal, irreversível e não há como impedir.
Veio-me à
lembrança uma mudança que acompanhou a minha existência desde
1970, quando me preparava para fazer o vestibular da FUVEST. Uma de
minhas professores, disse que a palavra aperitivo no português
arcaico, ainda em formação, significava purgante. Aconteceu um dia,
dizia ela, que um sujeito foi tomar uma bagaceira, quer dizer, uma
cachaça lá dos ibéricos, e fez uma careta quando enguliu, comeu
logo um torresminho para tirar aquele gosto ruim, e reclamou:
- Que horror,
que aperitivo é esse que tu me deste, ô Manuel?
Todos se riram e
daquele momento em diante, vários passaram a pedir um trago com o
novo nome: “Ô Manuel, dá-me um aperitivo daqueles teus!” E a
moda pegou. Explicava nossa mestra, que o portuga tinha feito uma
comparação entre as duas situações, ele estava tomando algo de
gosto forte, desagradável, de barriga vazia, assim como quem tomava
purgante. Nas duas situações, costumava-se dar uma cuspida e comer
logo algo por cima, para tirar o gosto ruim.
Em menos de dez
anos, creio que foi em 1976, estava eu na casa de uma família,
esperando pelo almoço para o qual tinha sido convidado. Estava com
uma fome de cão abandonado. Lá da cozinha, vinham os sons de vozes
e ruídos de panelas e tampas e outros acessórios da arte culinária.
Em dado momento, a gentil dona da cssa foi ver como eu estava e
perguntou se eu não queria um aperitiva. Fui bastante franco, porque
agora chegava também, até meu nariz, o aroma da comida em
preparação. Joguei verde:
- Não, muito
obrigado. Eu não posso beber nada assim, de barriga vazia, fico
bêbado em poucos minutos.
- Não, não é
bebida, não! São uns queijinhos, torradinhas, coisas assim para
enganar a fome até o almoço ficar pronto.
Claro que aceitei
e comi tanto que depois almocei só para fazer companhia e jus ao
convite. A partir dali, incorporei que aperitivo não era mais apenas
líquido alcoólico que se bebe antes da refeição, com desculpe
para abrair o apetite. Daquele momento em diante, aperitivo era
qualquer bebida ou alimento sólido que se toma antes da refeição
principal. Se tivéssemos o interesse e a paciência de Guimarães
Rosa, poderíamos fazer uma pesquisa e levantar uma porção de
palavras que tiveram seu significado ampliado ou totalmente alterado
pelos nossos compatriotas.
Outra coisa de
que nos orgulhamos é da riqueza de nossa língua. Um amigo meu, José
de Alencar, calma, não aquele, o escritor, que não sou tão velho
assim. Alencar é um paulista de cuja amizade pude privar desde os
quinze anos. Ele ficou indignado certa vez, numa palestra na
Biblioteca Mário de Andrade, ao ouvir um francês comparar e dizer
que a língua francesa era mais rica do que a nossa. Alencar ficou
furibundo porque, assim como nosso romântico escritor, amava o nosso
idioma, especificamente o português falado no Brasil. Eu me lembrei
disso imediatamente ao escrever “queijinhos” alí em cima.
Recordei porque o meu amigo então pediu ao palestrante que
traduzisse algo como “uma cazinha”, quando o francês fez a
tradução literal, Alencar protestou:
- Não senhor,
eu não lhe disse “uma pequena casa” nem “uma casa pequena”,
mas uma casinha.
É natural que o
francês não tenha entendido. Quando eu digo: “ontem conheci uma
velhinha”, não estou dizendo que a mulher era pequena, mas que era
bem velha mesmo, ou então que era uma velha muito simpática e eu
fiquei querendo um bem muito grande a ela. Muitas vezes empregamos o
diminutivo para expressar nosso carinho. Por isso, quando digo minha
casinha está às suas ordens, os convidados não se espantam ao
encontrar um casa com quatro quartos, sala ampla, cozinha muito
grande. Constatam o carinho que sinto por ela e, também, podem notar
aí um pouco de falsa modéstia. Isso também faz parte de nossa
cultura.
Não estou agindo
cientificamente, nem era essa minha intenção, mas raciocinando como
pessoa comum e não como professor. Quero apenas argumentar e
convencer a quem pensa como a pessoa que me fez ter esses
pensamentos, que tudo isso não justifica criar uma nova denominação
para o idioma português. É e será sempre o português falado no
Brasil, assim como o inglês falado nos Estados Unidos, na Austrália,
ou o francês falado no Canadá e nos países colonizados pela
França. Como diria meu amigo Paquale: “É isso aí”.
Geraldo Chacon
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