sábado, 18 de outubro de 2014

PORTUGUÊS FALADO NO BRASIL

LÍNGUA BRASILEIRA OU PORTUGUÊS FALADO NO BRASIL?



          Durante a semana alguém manifestou seu desejo que denominássemos nossa língua de brasileira e não de portuguesa. Nao hora disse-lhe que não via motivo para isso, mas não argumentei, nem desenvolvi o assunto, por falta de tempo. O problema, no entanto, ficou dando voltas na minha cabeça como um besouro inoportuno.
          Não foi a primeira pessoa que me disse isso e lembro-me vagamente de, no passado, já ter também pensado dessa maneira. É óbvio que nos orgulhamos do nosso idioma e olhamos para ele com certa vaidade e satisfação por saber que ele foi enriquecido pela língua dos índios, dos africanos, italianos e tantos outros povos com seus idiomas característicos. Claro que não podemos deixar de lembrar as mudanças que nós mesmos vamos proporcionando a cada dia, quase sem perceber, e quando damos conta, a linguagem dos nossos filhos já ficou muito distante da que falavam nossos queridos avós. Isso é fatal, irreversível e não há como impedir.
          Veio-me à lembrança uma mudança que acompanhou a minha existência desde 1970, quando me preparava para fazer o vestibular da FUVEST. Uma de minhas professores, disse que a palavra aperitivo no português arcaico, ainda em formação, significava purgante. Aconteceu um dia, dizia ela, que um sujeito foi tomar uma bagaceira, quer dizer, uma cachaça lá dos ibéricos, e fez uma careta quando enguliu, comeu logo um torresminho para tirar aquele gosto ruim, e reclamou:
        - Que horror, que aperitivo é esse que tu me deste, ô Manuel?
      Todos se riram e daquele momento em diante, vários passaram a pedir um trago com o novo nome: “Ô Manuel, dá-me um aperitivo daqueles teus!” E a moda pegou. Explicava nossa mestra, que o portuga tinha feito uma comparação entre as duas situações, ele estava tomando algo de gosto forte, desagradável, de barriga vazia, assim como quem tomava purgante. Nas duas situações, costumava-se dar uma cuspida e comer logo algo por cima, para tirar o gosto ruim.
        Em menos de dez anos, creio que foi em 1976, estava eu na casa de uma família, esperando pelo almoço para o qual tinha sido convidado. Estava com uma fome de cão abandonado. Lá da cozinha, vinham os sons de vozes e ruídos de panelas e tampas e outros acessórios da arte culinária. Em dado momento, a gentil dona da cssa foi ver como eu estava e perguntou se eu não queria um aperitiva. Fui bastante franco, porque agora chegava também, até meu nariz, o aroma da comida em preparação. Joguei verde:
         - Não, muito obrigado. Eu não posso beber nada assim, de barriga vazia, fico bêbado em poucos minutos.
          - Não, não é bebida, não! São uns queijinhos, torradinhas, coisas assim para enganar a fome até o almoço ficar pronto.
        Claro que aceitei e comi tanto que depois almocei só para fazer companhia e jus ao convite. A partir dali, incorporei que aperitivo não era mais apenas líquido alcoólico que se bebe antes da refeição, com desculpe para abrair o apetite. Daquele momento em diante, aperitivo era qualquer bebida ou alimento sólido que se toma antes da refeição principal. Se tivéssemos o interesse e a paciência de Guimarães Rosa, poderíamos fazer uma pesquisa e levantar uma porção de palavras que tiveram seu significado ampliado ou totalmente alterado pelos nossos compatriotas.
      Outra coisa de que nos orgulhamos é da riqueza de nossa língua. Um amigo meu, José de Alencar, calma, não aquele, o escritor, que não sou tão velho assim. Alencar é um paulista de cuja amizade pude privar desde os quinze anos. Ele ficou indignado certa vez, numa palestra na Biblioteca Mário de Andrade, ao ouvir um francês comparar e dizer que a língua francesa era mais rica do que a nossa. Alencar ficou furibundo porque, assim como nosso romântico escritor, amava o nosso idioma, especificamente o português falado no Brasil. Eu me lembrei disso imediatamente ao escrever “queijinhos” alí em cima. Recordei porque o meu amigo então pediu ao palestrante que traduzisse algo como “uma cazinha”, quando o francês fez a tradução literal, Alencar protestou:
        - Não senhor, eu não lhe disse “uma pequena casa” nem “uma casa pequena”, mas uma casinha.
       É natural que o francês não tenha entendido. Quando eu digo: “ontem conheci uma velhinha”, não estou dizendo que a mulher era pequena, mas que era bem velha mesmo, ou então que era uma velha muito simpática e eu fiquei querendo um bem muito grande a ela. Muitas vezes empregamos o diminutivo para expressar nosso carinho. Por isso, quando digo minha casinha está às suas ordens, os convidados não se espantam ao encontrar um casa com quatro quartos, sala ampla, cozinha muito grande. Constatam o carinho que sinto por ela e, também, podem notar aí um pouco de falsa modéstia. Isso também faz parte de nossa cultura.

      Não estou agindo cientificamente, nem era essa minha intenção, mas raciocinando como pessoa comum e não como professor. Quero apenas argumentar e convencer a quem pensa como a pessoa que me fez ter esses pensamentos, que tudo isso não justifica criar uma nova denominação para o idioma português. É e será sempre o português falado no Brasil, assim como o inglês falado nos Estados Unidos, na Austrália, ou o francês falado no Canadá e nos países colonizados pela França. Como diria meu amigo Paquale: “É isso aí”.
Geraldo Chacon

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