O CAVALEIRO
ANDANTE
O sol vermelho de
sangue
punha-se no
ocidente
e o cavaleiro
andante
com os olhos doentes
Não viu onde
acoitar-se.
Dias e dias a
cavalgar
cavalgar sem descanso
sem dar tréguas ao
corpo
morto por um sono
seguro
por paz ao seu
coração manso.
Já noite alta a
treva desce
mas logo uma luz
aparece
uma cabana nasce
e se destaca das
trevas
e o atrai e seduz.
Aporta à porta o
cavaleiro
e chama por cama
e chora por um
repouso.
Vem uma donzela e
oferece pouso
ao cavaleiro sem
rumo.
Ele não pergunta
seu nome
Ela não explica
nada
só abre a porta e
os braços
e lhe entrega alma e casa.
Ele tira a armadura
como um pássaro
abre as asas
tinir de metais
duros
como a sua vida
logo se sente leve
como ave que
recebe som nas plumas
como pensamento de
criança.
No fogão uma lavareda
dança
como prenúncio de
festa.
Há muitos anos sem
mulher
Há muito tempo sem
amor
Não sabe o
andarilho o que dizer
os gestos ficam
presos no peito
e de um jeito
sem-jeito
diz: “Vou usar a
tua cor”.
Ela, plebeia, não
sabe dessas finuras
viveu todas as
amarguras
mas tem bom senso
e uma bela
intuição
abre-lhe agora o
coração
e diz: “Aqui tens
um peito amigo
faz de mim teu
abrigo
dorme esta noite comigo”.
Ele não pregou o
olho um segundo
não reclamou do
duro chão
nem do frio
malvadeza
mas desfrutou com
certeza
daquela respiração
mansa
com sopro leve de
criança
como brisa de
esperança.
Sua perna sobre a
dele não pesava
quase nada
e como que
aliviava
o peso da roupa
fria
que há tanto o
aprisionava.
Agora, sob o corpo
dela, era livre.
Estava preso por
vontade.
No outro dia, a
donzela
disse que a
vontade dela
era viver sem
compromisso.
Ele disse: “Não
posso isso,
Sinto como um
feitiço,
não posso partir
daqui,
quero fazer de seu
corpo minha morada,
do seu sexo minha
estrada,
de seu riso minha
espada,
não posso querer
mais nada”.
Ela tenta
afastá-lo com tristes declarações:
“Parte homem,
enquanto é tempo,
eu vivi louca,
desvairada,
três bandidos me
possuíram
me marcaram até na
alma
e eu me entreguei
com calma,
com volúpia, com
tesão,
agora não posso
mais ser sua.
Amizade é o que
lhe tenho,
amizade é o que
lhe dou,
amizade é só o que
basta.”
“Basta”, disse
ele. “Eu não posso com tão pouco
e tampouco me
importa com quantos
bateram à tua
porta.
Você continua
pura.
Você continua
santa,
mais que tantas
que jamais tiveram homem!
O que é sujo lava
e some.
O que doeu vira
lembrança
e aos poucos
desaparece.
Eu quero cobrir
seu corpo.
Eu quero beijar
seu riso.
Eu quero beber
seus beijos,
me alimentar de
seus abraços.
Sem você serei
quixote
louco a lutar contra
moinhos.
Serei Galaad perdido
pelos caminhos,
Artur sem távola
redonda,
Camões sem
Dinamene,
Dante sem
Beatriz”...
parou e, por um
triz,
não mastigou o
soluço
que concreto se
fizera,
mas que foi
dissolvido
na saliva de um
beijo
como nunca houve
outro
não houve, não há,
não houvera
nem haverá.
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