CONTO CONDENSADO E COMENTADO
O
Burrinho Pedrês
A
fazenda do Major Saulo está em clima de agitação. Prepara-se a saída de uma
boiada. O burrinho Sete-de-Ouros está esquecido a um canto, já aposentado de
tão velho. Sete-de-Ouros já teve muitos nomes: Brinquinho, Rolete, Chico-Chato
e Capricho; mudava de nome, sempre que mudava de dono. Vivera muitas aventuras,
mas agora gozava seu descanso na fazenda da Tampa, do Major Saulo. Faltavam
cavalos para conduzir os vaqueiros, pois alguns deles tinham fugido à noite e
ainda não tinham sido encontrados. O velho burro lambia um resto de sal perto
da varanda, todo sossegado, quando foi visto pelo Major que logo ordenou que
fosse preparado para a viagem. Os
boiadeiros partem conduzindo a boiada. O vaqueiro Manico, contrariado, vai no
burrinho, sofrendo as gozações dos colegas. Francolim é o braço direito do
Major, que o chama de “mulato mestre meu secretário”. Ele alerta o Major para uma
briga entre Badu e Silvino, por causa da namorada do Silvino que o trocou pelo
Badu. A vingança poderia ocorrer durante a viagem. O Major Saulo parece não dar
a mínima, mas como quem não quer nada, mineiramente vai perguntando, recolhendo
informações e analisando os dois rivais. Enquanto viajam, vão cantando ou
contando casos, de onças e de bois, como a história do boi Calundu.[1]
Num
ponto do caminho, aproveitando um momento de distração, Silvino atiça um touro
contra Badu, num instante em que ele está desmontado. Badu consegue escapar do
animal com agilidade. Francolim, por ordem do Major, troca de montaria com
Manico por algum tempo, mas entra no povoado já em seu cavalo, o que conseguiu
só depois de alegar ao Major Saulo que não ficaria bem entrar montado em um
burrinho, já que ele era o capataz.
Entregues os bois, os homens recebem folga. Major Saulo não voltará com
os vaqueiros, por isso passa o comando a Francolim, dizendo-lhe que estava
certo sobre Badu e Silvino, e que acha que este último realmente vai tentar
matar o outro. Pede que tome todo cuidado e vigie Silvino o tempo todo. Todos vão beber, Badu parece exceder-se. É o
último a montar e só deixaram para ele o burrinho. Enraivecido, bêbado, mas sem
outra saída, monta o burrinho e vai atrás dos outros. A noite é de breu, de
total escuridão, e os vaqueiros vão em fila indiana. Quando se aproximam de um
pequeno córrego, por onde passaram de dia com a maior facilidade, um deles
lança sinal de alerta. O aviso de perigo não é por causa do piado do pássaro
João Corta Pau, mas porque os cavalos estranham o terreno pantanoso. Chovera na
cabeceira do rio e houve inundação. Todos temem a enchente. Resolve-se que o
Badu deve seguir primeiro, porque está no Sete-deOuros: “O burrinho é quem vai
resolver: se ele entrar n‘água, os cavalos acompanham, e nós podemos seguir sem
susto. Burro não se mete em lugar de onde ele não sabe sair!” (p.73)
Sete-de-Ouros
seguiu e os demais entraram nas águas com cautela, menos Juca e Manico, que
ficaram. O burrinho seguia calmo e decidido, carregando o Badu, que de tão
bêbado, só se agarrava ao pescoço do animal, sem tomar conhecimento do perigo.
Um torvelinho forte e confuso de águas separou-os, confundiu-os e atirou-os de
cima das montarias. Na confusão, Francolim salvou-se agarrando-se ao rabo do
burrinho, que foi o único animal a alcançar o outro lado em segurança. Lá
chegando, escoiceou o caronista imprevisto e continuou em seu retorno para o
lar. Dessa forma, graças a Sete-de-Ouros, somente Francolim e Badu se salvaram
daquela tragédia, em que oito vaqueiros morreram afogados. Assim, encerra-se o
conto e a aventura de um anônimo e humilde herói, Sete-de-Ouros. “Folgado,
Sete-de-Ouros endireitou para a coberta. Farejou o cocho. Achou milho. Comeu.
Então, rebolcou-se[2],
com as espojadelas obrigatórias, dançando de patas no ar e esfregando as costas
no chão. Comeu mais. Depois procurou um lugar qualquer, e se acomodou para
dormir, entre a vaca mocha[3] e
a vaca malhada, que ruminavam, quase sem bulha, na escuridão.” (p.79)
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