QUE MERDA É ESSA?
Esse título
foi sugerido, sem querer, por minha amiga Marli, aquela que descrevi em outra
crônica como a dona das mais lindas pernas do Rio de Janeiro. Foi assim,
tentávamos ligar para ela, mas não conseguíamos. Desistimos do celular e
tentamos o fixo, tocou, tocou, e por fim caiu na secretária eletrônica que,
após os trâmites normais, deu sinal de que alguém falaria, alguns ruídos, em
seguida a voz septuagenária da nossa amiga Marli lançou essa:
- Que merda é
essa?
Depois
veio o silêncio do outro lado, quebrado apenas pelo nosso riso. Era muito
engraçado, ouvir daquela gentil senhora, tão tranquila, um protesto
escatológico inesperado. O humor é fruto da quebra de uma determinada
expectativa. Ela nem sabia que havia gravado involuntariamente essa exclamação. Estava irritada porque não conseguia entender o mecanismo de deixar gravado seu recado na secretária eletrônica.
A
propósito de quê, vem essa introdução? A propósito de algo que descobri ontem e
que me fez o pensamento hoje, às 5 da matina, acordar com essa ideia: “Caralho,
genial! Vou escrever sobre aquilo!” O aquilo, do meu pensamento, foi uma
entrevista que li num blog lusitano, muito visitado e curtido, porque o
bloguista usa palavrões. Em vez de usar termos como amor e paz, prefere
escrever merda e porra. Em vez de louvar
aspectos positivos da vida, opta por meter o cacete no que está errado, e assim
atrai o público, que provavelmente em sua maioria ou totalidade, também é e age
assim. E assim, levam a vida! E assim a vida deve continuar, principalmente com
esse reforço. Pensei, vou ser igual e diferente. Gostam de palavrão, então
tomem; vão pra puta que pariu. Está bom assim? Não? Então vão tomar no cu
publicamente. A frase assim, dita em uma reunião de professores, ouvi uma única
vez, em 1982, da boca de um discreto e elegante professor de História. Marcou,
porque ele jamais fazia isso; dizer palavrões. Sei que em certa idade da
infância ou puberdade é normal o indivíduo ter esse gosto, que volta com a
senilidade. Você se já está passando dos setenta, deve ter ouvido falar de
alguém que tem pai ou mãe vivos, sobre esse problema. Pense, não é problema, é
normal. Não dizem que na velhice voltamos à infância? Pois bem, entendo, só não
compreendo é que uma pessoa saudável, inteligente, faça isso toda a vida. Ficar
obsessivamente procurando blogs que falem de sexo e merda já se torna uma obsessão
doentia, assim como ficar sempre e apenas criticando o que há de errado no
mundo, falando de coisas negativas, de doenças, de azares e dores semelhantes. “Que
merda é essa?”
Isso
me aborreceu e deixou preocupado porque eu já fui assim, sério! Se não
estivesse criticando o governo corrupto, os patrões exploradores, os comerciantes
ladrões, coisas que todo mundo já sabia, mas fingiam me dar atenção e ouvidos
por gentileza; queixava-me da minha magreza, da garganta doendo e assim por
diante. Um dia alguém me mostrou como eu era e me chamou de hipocondríaco. Foi
uma dor imensa, marcou por vários dias, mas mudei. Não, não pense que mudei de
um dia para outro, levou muitos anos, mas hoje, meus familiares notam a
diferença. Aprendi a não ficar só me lamentando e criticando, mas fazendo
pequenas coisas que não me custam nada, ou muito pouco, e fazem bem às outras
pessoas; bem melhor do que ficar aporrinhando o ouvido delas com minhas
baboseiras. Ah! Você quer sugestões? Por exemplo, hoje ao deitar, procure
pensar, antes de adormecer, em coisas boas que você poderá praticar no dia seguinte.
Quando acordar, faça um propósito sério de não criticar, nem se lamentar, mas perdoar
e dizer coisas boas, fazer elogios e sorrir. Aqui, onde hoje vivo, é comum as
pessoas nativas cruzarem os olhos quando passam pela gente e cumprimentar: “Bom
dia!” No princípio, espantei-me, porque não era assim de onde venho, mas já me
acostumei e ando procurando os olhos alheios para antecipar-me e fazer o
cumprimento.
Sugiro
que observe à sua volta e dê lugar para que pessoas necessitadas se sentem,
ajude alguém a carregar bolsas e pacotes até o carro, ou qualquer outro meio de
condução. Um rapaz cedeu-me lugar numa longa espera em loja de telefonia
celular. Faz vários dias, mas até hoje eu agradeço mentalmente, porque estava
sentindo muita dor nas pernas e aquilo fez-me muito bem.
Outra
sugestão, se vai de carro, diminua a velocidade e faça sinal, gesto, para
alguém que quer atravessar a rua, para que passe. Pare até, se for o caso.
Tenho notado que as pessoas ficam inseguras se vai dar tempo e então demonstro
que as estou vendo e que não vou atropelá-las. Normalmente elas entendem e
passam; muitas agradecem, outras passam direto. Tenho achado lindo e divertido!
E tem feito muito bem, principalmente a mim. Porra, até me esqueci da
escatologia. Eu ia lhe dizer que se quer saber o que é escatologia, vá ao
dicionário, mas assim como facilitei a vida de quem queria atravessar a rua, facilitarei
a sua.
Não
vou usar termos de dicionário, mas informar que escatologia tem dois
significados; um é de que se refere ao gosto por termos e coisas asquerosas,
nojentas e o outro, da filosofia que indaga os fins últimos da existência.
Esta, com
certeza, foi a minha crônica mais escatológica. (Araruama 05/10/2015)
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