Capítulo II
No dia seguinte ao casamento, ou
dois dias depois, não me lembro desse detalhe, o marido revelou o outro lado de
sua personalidade que até agora ela não vira. Ele tinha acordado primeiro e
estava na varandinha olhando para a rua e para o horizonte. Ela se aproximou
amorosa, ainda apaixonada e abraçou-o por trás, mas bruscamente ele afastou os
braços dela e com voz rude, falou:
- Pare com isso, alguém pode
passar e ver.
Ela ficou pasma com aquilo, mas
não teve voz nem palavras para reclamar. Ficou murcha e ficaria mais ainda,
semanas depois, quando veio a menstruação e ele entrou no banheiro antes que
ela tivesse lavado ou tirado a calcinha de lá. Ele a atirou quase na cara dela,
dizendo algo assim como “tira essa porcaria daqui”. Aí matou seu desejo,
dezenas de anos mais tarde, confessou para sua filha caçula que ela jamais
soube o que era um orgasmo. Não é difícil entender o motivo.
Não soube quando, nem como, mas
ouvi dizer que os dois anos depois do casamento, passaram a viver em um sítio
ou chácara, tendo recebido ajuda e
alguns animais do pai dela, seu Neco. Quando se referiam a esse lugar, diziam
lá na Paciência. Depois José perdeu tudo e teve que pagar as dívidas do armazém
com um cavalo e um revolver Colt, coisa que ele lamentou durante muito tempo.
Foi antes disso que ela engravidou de seu primeiro pimpolho.
Quando estava no sétimo mês da
gravidez, seus pais vieram visitá-la. Era o mês de agosto e os ipês estavam
floridos. Por vários caminhos, no campo, podiam ver o amarelo das flores. O
médico da região, Dr. Élvio, profissional dedicado e apaixonado por seu
trabalho, passava pelo lugar e lembrando-se da filha do seu Neco e de sua
gravidez, resolveu visitá-la para ver como estava.
Era um fim de tarde e final do
mês. Todos ficaram surpresos com a visita do médico.
- Passei para ver como está minha
paciente e essa criança que em breve virá.
Fechou-se com ela no quarto e
após o exame, saiu e disse aos pais dela:
- Arrumem um cantinho pra mim.
Acho que será bom eu passar a noite aqui!
Todos ficaram ansiosos e fizeram
muitas perguntas, mas ele só dizia que não sabia o que prever, mas dizia que
desejava estar por perto para ver o que seria. Talvez a criança fizesse uma
surpresa. E fez mesmo, na manhã de 31 de agosto de 1945, ano do fim da grande
guerra, nasceu o filho de Totó, que era tão frágil e miudinho que seu Neco
batizou-o por julgar que não sobreviveria.
Apesar desse medo todo, o menino
sobreviveu. Ah! Ao batizar a avó sugeriu que pusessem o nome do santo daquele
dia, Raimundo. Totó arrepiou-se toda, protestou e disse que não, que ela já
havia feito uma promessa para São Geraldo. Então, o menino foi batizado como
Geraldo.
Quatro dias depois, levaram o
bebê para a matriz do município de Santa Bárbara do Mato Dentro. Quando
disseram que seu Neco havia feito um batismo improvisado e estavam ali para que
o padre o batizasse de verdade, o sacerdote disse, sorrindo:
- Quê que é isso seu Neco? O
senhor batizou, esta muito bem batizado, melhor do que se fosse eu. Vou só
botar o santo óleo e fazer o registro.
Arraial do Cabo, 17 de junho de
2020.
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