UMA NOITE NO INFERNO
Quando viemos para o Valtelina, foi a descoberta do paraíso;
lugar de paz, tranquilidade e harmonia. E noites muito silenciosas, até fiz um
poema sobre o silêncio que está no meu último livro de poesia: POESIA NOSSA DE
CADA DIA.
Inicialmente, em outubro de 2012, dividíamos nosso tempo
ficando aqui uma parte da semana e alguns dias em Jacarepaguá. Cada vez mais,
notávamos que as noites no Rio não eram tranquilas como as daqui; as de lá faziam
desaparecer meu sono com ruído forte e irritante de moto na madrugada e outros
barulhos. Agora dizem que está pior por causa de tiroteios. Bem, o certo é que
mudamos definitivamente para o Valtelina.
Foram anos de tranquilidade e muita amizade. Segurança,
conforto e tranquilidade. Este ano as coisas foram mudando e uma dessas
mudanças está me irritando sobremaneira.
Uma matilha de cães vem me deixando pré-ocupado. Entre esses “sem donos”
dois cães se destacam; o Japa (um doce de cachorrinho que me ama) e o Moreno,
também chamado de Caio); cachorro forte, muito jovem, que também me adora e
gostaria de ficar comigo. Mas eu prefiro ver os dois bem longe de mim. Uma
distância suficiente para não os ouvir. Várias noites eles têm me tirado o sono
e acabado com minha tão amada tranquilidade.
Hoje foi horrível pela acumulação de noites mal dormidas e
por ver tantas tentativas frustradas de resolver a coisa sem raiva ou
violência. O mais doce e manso dos abandonados é o Japa e foi ele o meu
tormento.
Seus latidos me acordaram. Levantei-me e sem acender luz
nenhuma fui ver o que o incomodava; seria um gambá ou outro bicho noturno
caminhando sobre o muro? Seria um ladrão? Claro que não, devia ser algum bicho
que ele não conseguia pegar. Quando abri a porta dos fundos, ele já estava como
que me esperando, sentado e alerta. Olhei em volta e tudo estava parado, nem um
movimento, nada de vento, claridade suave do sistema de iluminação da rua e do
vizinho. Dava para ver tudo, nada de bicho, nem de movimento; as plantas
estavam com as folhas paradinhas. Isso é raro aqui! Fui até o portão, saí e na rua onde a
claridade era maior.
(Agora ainda estou
ouvindo os latidos do Japa, enquanto escrevo. São cinco da madruga!)
Voltei e quase deixei escapar a Joia, cachorra pretinha que
dorme dentro de casa. Essa não dera nenhum latido, mas já se preparava para
fugir e correr pelas ruas com seu companheiro querido. Não devia permitir, eram
duas horas. Tomei o remédio homeopático para dormir e fui para a rede, pra
variar.
Estava tentando voltar a dormir, repassando mentalmente um
trecho da minha peça POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS, mas logo os latidos
recomeçaram. Pensei “já sei como resolver isso, vou trancar o Japa na oficina.
Lá fica longe e com a porta fechada o som dos latidos não vai chegar ao meu
quarto.
Desci e quando abri a porta, lá estava o safado, calado, mas
precavido. Tentei atraí-lo para a oficina com carinho. Não foi atrás de mim.
Levei para lá o ninho feito com caixa grande de papelão duro e forrado com
panos fofos. Levei também o tapete da entrada, da porta dos fundos, em que ele
estava sentado naquele instante. Ele saiu e foi me acompanhando até a porta da
oficina, mas não entrou. Chamei-o e nada! Então me aproximei dele, fiz carinho,
abracei-o e peguei no colo. Levei e tranquei na oficina. Fui para meu quarto, fechei
as portas para deixar o som lá fora, se ele latisse. Estava tentando dormir quando,
frustrado, descobri que não funcionou como eu pensava; os latidos se faziam
ouvir dentro do meu quarto como se ele estivesse no cômodo vizinho. Não consegui
acreditar.
Desci logo e fui abrir a oficina para ele sair, o que fez
rapidamente. Planejei expulsá-lo jogando água fria. Procurei a longa mangueira
de molhar as plantas, liguei a bomba e corri atrás dele, mas não consegui alcançá-lo
pois estava sempre mais adiante do jato d’água e agilmente já pulava o muro, muito
antes de eu conseguir chegar perto do portão. Pensei, ele não vai voltar mais,
já entendeu que eu estou aborrecido.
Retomei o processo de voltar a me acalmar e voltar a dormir.
Doce engano, ali estava ele a latir, bem debaixo da janela do meu quarto. Ah! Era
demais. Desci a escada correndo, abri a porta dos fundos e... para minha
surpresa a pretinha, a Joia, espertamente escapou por entre minhas pernas.
Fiquei fulo, ela poderia escapar e ir pra farra com seu amigo. Isso não, minha
mulher iria brigar comigo por ter deixado isso acontecer. Corri também e
consegui fechar o portão lateral para que ela não saísse. Voltei, entrei e fechei
a porta dos fundos, deixando presa no quintal. Rapidamente, abri a porta da
sala e saí no encalço do Japa que já havia pressentido minha irritação e
escapado para a rua. Fui atrás e ele já estava bem mais à frente, corri atrás
dele e vi uma pedra no canto da rua. Peguei-a e irritado atirei-a no rumo dele.
Sabia que não conseguiria atingi-lo, mas ele ficaria com medo e não voltaria. E
assim fui fazendo, por três vezes e duas quadras. Pensei, “agora ele não volta”.
Nooovaaamente fui para a rede, mas logo um barulho me
irritou. Era a pretinha tentando abrir o portão lateral para fugir e brincar
com seu amigo que latia, bem longe, mas não o suficiente para eu não ouvir.
Desci e coloquei a Joia pra dentro e ela joiamente obedeceu, sem dar um latido
ou grunhido. É uma joia mesmo!
Nem voltei para o quarto. Sabia já que não conseguiria mais
dormir. Aquela movimentação toda já estava me dando até calor. Você vai pensar,
“podia abrir as portas e janelas”. Não adiantaria, porque não havia nem o
mínimo sinal de brisa e os latidos ficariam mais audíveis.
Fiquei pensando em coisas tolas, infantis, como por exemplo,
que se alguém fizesse um abaixo-assinado para sumir com essa cachorrada,
inclusive o Japa, eu assinaria. Tive uma ideia melhor; vou pedir pousada a
alguém amigo, seja na Praia Seca, Araruama, Iguaba ou Cabo Frio e ficar por lá
até que isso se resolva. Ah! Posso ir morar com minha irmã em Utatuba! Mana! Me
aguarde!