A
MORADORA DE RUA
Lendo uma matéria sobre moradores de rua, perdi o
rumo em uma das linhas e viajei para o passado. Uma lembrança forte tomou conta
de mim.
Não vou conseguir lembrar mês e dia, mas a hora, veio-me à mente com
precisão. Eram 6 da manhã. Frio pra caramba. Eu vi uma senhora que se arrumava,
parecia ter acordado naquele instante. Foi numa calçada de uma rua próxima ao
Parque Antártica. No instante em que a olhei, seu olhar também me distinguiu na
massa de veículos que passavam e me sorriu. Ainda tive tempo de corresponder ao
sorriso que era meigo, puro, angelical. Pela Dutra afora, fui me lembrando
daquela gentileza, simpatia!
Uns dez dias depois, domingo pela manhã, um pouco
mais tarde, creio que 7:30, seguia rumo a Dutra. Ao sair da Rebouças, pegando à
esquerda com o propósito de seguir pela av. Pacaembu, lembrei-me daquela
senhorinha e não resisti, peguei a Dr. Arnaldo, dali pequei a Sumaré e fui para
lá com a intenção de parar e conversar com ela. Estaria lá? Me perguntava.
Estava, no mesmo lugar. Parei frente a um bar e
pedi que preparassem um pão com manteiga e um pingado para viagem. O senhor do
bar perguntou se era para muito longe.
– Não senhor, é para aquela senhora que dorme nessa
mesma calçada.
– Ela não toma café e eu não tenho pão.
E preparava-se para jogar o café de volta na
cafeteira, quando lhe pedi que fizesse o pingado que eu mesmo o tomaria. Então
ele me sugeriu levar um quibe para ela. De quibe ela gostava. Ele me disse.
Foi o que
fiz. Quando dela me aproximei e ofereci o salgado, dentro de um saquinho, ela agradeceu
timidamente e mais recatada ainda se justificou:
– Vou guardar para comer depois. Estou de jejum.
(Lembrei-me de minha avó, Dindinha, que jejuava toda primeira sexta-feira do
mês. Dia que, invariavelmente, durante anos, comungava.) Disse-lhe então que
não era sexta-feira, mas domingo, e ela explicou-me:
– Jejuar sempre faz bem pra gente!
– Você é religiosa? De que religião?
– Sou evangélica.
Ofereci café, só para ver se confirmava o que
dissera o homem do bar. Ela gentilmente recusou e agradeceu. Desejei-lhe boa
sorte e segui meu rumo com mil questionamentos a respeito. Minha querida
ex-aluna Nancy perguntou se eu concluiria esse texto e a resposta que lhe dei
ficará como fechamento dessa história:
Nancy, concordo com você sobre o tempo na internet.
Dedique-se mais aos estudos e menos ao mundo virtual. Quanto à moradora de rua,
estou com saudades dela. Reli a crônica porque você tocou no assunto e quer
saber como vou concluir. O mais importante foi o acontecimento e que as pessoas
possam tirar suas próprias conclusões. Por exemplo, pessoas boas, não deixam de
ser assim porque a vida lhes retira os bens materiais. Assim como pessoas ruins,
geralmente, não se tornam boas quando sofrem perdas radicais. Quando puder,
veja o filme "Ensaio sobre a cegueira".
Nenhum comentário:
Postar um comentário