BILITA
Eu num sô nada... nada só... titiquinha
de nada rodando, sonhando num mundo sozinha. Cachorrinha perdida no mato sem
caçadô. Mãe nunca tive. Pai num tive. Num sei de nada de mim quando
piquinininha. Cum cinco ano tava na casa dos ôtro. Levando merenda pros home na
roça, dibuiano mio no paió, cuidano das galinha...tudo em troca do de cumê e de
rôpa usada. Tava uma hora num sítio, outra hora em otro. Assim inté os doze
ano.
Veio o primero home. Eu num sabia de
nada. Foi aí que conheci o fogo que tinha dentro de mim. Era a fazenda de um
home sério, desses de igreja, bravo que nem padre. A muié era iguar. Um vaquero
dele me oiô e fiquei presa. Deu uma tremedeira pro dentro. Ele ficou oiando e
andando pro quintal e eu... fui também... Senti que ele me mandô com os óio,
com o jeito isquisito de me oiá. Fumo inté o pé de maracujá, ele tava cum
medão... eu tava doida... doida varrida... arguma coisa mexia dentro de mim...
aí eu ia sabendo e de repente já sabia que eu ia me discubri, que eu ia sabê
ôtras coisas. Ele apanhou uma frô de maracujá... bem aberta... quis falá, mas
só abriu a boca... Pôs a frô nos meus cabelo e me deitou no chão. Alevantou
minha saia e abriu minhas pernas... passou a mão em mim e eu vi o verde rodá em
riba... nuns pedaço eu via o azul do céu. Aí ele abriu a barguia e eu vi o
passarinho dele. Tava duro... veio pra riba de mim... parecia que o mundo tinha
parado, que o tempo num andava mais... inté eu num respirava mais. Os passo do
patrão botou pedra nas vontade dele. Ficou parado, iscuitando com os óios
arregalado... o passarinho dele foi incoiendo e ele fugiu. Ninguém chegou e eu
fiquei ali deitada que nem calango no sol, gostando daquela quentura gostosa...
eu num entendi tudo... mas fiquei sabendo que aquilo era no secreto, nos esconsos
de tudo, no iscundido dos outros.
Passô
uns dia só e eu fiquei sozinha com otro home. Era um véio que ninguém
ligava pra ele. Eu queria o que eu não sabia. Mas ele devia saber como o otro.
Oiei pra ele e oiei pro paió. Fui andando e oiando... e ele foi indo... foi
indo... eu já fui fazendo o que eu sabia, deitei nas paia de mio, levantei a
saia e abri as perna. O véio ficou respirando forte, fungando bravo que nem
cavalo e foi tirando meu vistido todinho... me beijou, me mordeu e eu sinti uma
tontêra boa que nem vi o que ele fez. Sinti uma dô que me rasgava e parecia que
ele todo tava entrando dentro de mim. E ele ficava mexendo, mexendo e eu vi o
mundo se acabá, a terra toda morrê e me deu uma vontade de gritá e eu gritei.
Ele pôs a boca na minha e me calou. Arguém iscuitou, pruque logo foi a maió
confusão. O patrão me tocô, a muié dele me rogô praga e eu saí pra puêra da
estrada. Num chorei. Sofri poeira e calor. E tudo parece que foi pro mode eu
intendê. Todo mundo achava que era errado, só eu que via que num havia errado
nenhum.
Tava pensando ansim, quando veio um
carro-de-boi gemendo. Eu nem oiei e nem pidi, mas o home falô pra mim ir junto
e repartiu comigo sua merenda. Vi que o mundo também tinha suas bondade, que a
vida mesma era ora boa ora ruim, de misturado e remexido. Apruveitei a hora
boa. Ansim faço inté hoje. O mais é o que acontece. Fui de arraial em vila, de
um lugar a ôtro. Um dia, fiquei doente e me levaram prum hospitá. Um dotô
bonito me deu remédio e me cuidô. Quando fiquei boa, me levô pra casa dele,me
deu ropa boa, pra mode eu trabaiá. Uns dia dispois, eu tava deitada e ele entrô
no meu quarto. Fiquei quieta, fingindo drumi. Ele abriu minha camisa de botão e
foi falando muita coisa que eu nem num ouvia direito. Passou a mão tão macia de
um jeito tão macio, beijou meu peito e eu nem mexi. Fiquei quietinha por fora,
nem tremi... tremi só por de dentro. Por dentro era um monte de arripio e de
tremura. Quando ele deitou em riba de mim eu ria e chorava, mas só lá dentro,
com tudo em brasa. Só quando ele falou "abre a boca, me dá sua língua, me
dá sua língua" foi que eu mixi, obedeci. Ele intão disse "sabia que
você tava acordada". Aí, todo dia nóis fazia a mesma coisa. De dia eu
cuidava da casa dele e quando a noite chegava eu drumia e ele ia na minha cama
e a gente apruveitava muito tempo, fazendo tudo muito gostoso.
Um dia, um moço me pidiu em casamento.
Antenô, moço sacudido, trabaiadô da roça. O doutô quis que eu decidisse, falô
que num era meu pai, mas punia por mim. Também num pudia impidi se eu quisesse.
Eu quis, e fumo morá afastado de lá. Nem duas semanas tinha passado e o doutô
foi me visitá, pra sabê cumo é que tava passando, se eu precisava de arguma
coisa, que isso e aquilo, mas eu logo vi o que tava querendo e ele num resistiu
e acabô me pidindo. Tadinho. Caído no chão, de jueio, é, divera, ajueiado como
se tivesse rezando e chorando que nem minino. Cumé que pode? Cumé que eu pudia
dizê não? Ele me abraçava as perna, me beijava os juêio. Levei ele pro quarto e
pela primeira vez ele ficou quieto e eu fiz tudo o que queria. Ele ria... disse
que num divia ter deixado eu me casá. Que eu valia ôro vivo. Só me alembrei que
eu era casada, quando meu marido bateu na porta. Saí correndo, pensei que o
dotô fugia pelo fundo. Tentei segurá o Antenô, mas ele parece que viu tudo, que
sabia tudo. Entrô que nem louco e foi quebrano tudo inté chegá no quarto.
Matô... matô e fugiu, foi pra jagunçagem. Hoje é o famoso Calango. Bicho
terríve.
Eu saí dali com o vestido que tinha
posto na hora da aflição. Pequei nada não. Fui embora suzinha e Deus. Muito
tempo despois conheci um home danado de bonito. Paulo, até o nome dele me
enchia de alegria. Paulo, Paulo, Paulo! Trabalhadô da estrada de ferro, me
namorô, me gostô e disse que queria casá. Falei que na igreja já num podia
mais. Tava casada e com marido fugido, mas num tinha casado nu tar de civil.
Ele quis e casô cumigo só no cartório. E pra mim era a mesma coisa. Eu tinha
casa de novo, tinha marido e era uma muié casada como as ôtra. Só que o Paulo num
me intendeu. Eu agora sabia que tudo tinha acontecido para eu saber que eu ia
ser tudo o que agora eu era. Eu era mulher, muié. Queria tudo, toda hora. De
manhã era o melhor. Acordava Paulo com carinho e ele reclamava que tinha de
trabaiá, que ficava com as perna bamba. Quando ele vinha de tarde eu nem
deixava ele tomá banho, queria mesmo era aquele
chêro, chêro de home que me ardia e me deixava que nem lôca. Depois eu
dava um banho nele e aí ele cheroso, com aquele chero de limpo eu num güentava
e queria mais, porque também assim era gostoso, era um ôtro gosto, um ôtro
jeito. Ele pedia "deixa eu jantá". Eu falava "adispois".
E despois da janta quando eu cumeçava
ôtra vez, ele me arreliava e se
empombava:"Que é isso, muié? Cê num sussega, a estrada é de ferro,
mas eu num sô!" Tinha vez que ele num reclamava, mas ficava muito parado e
num era a mesma coisa como no tempo de namôro. Nesse tempo, quando a gente se
via, ele também era um fogo só e num esbarrava de me fazê festa, de me
muquiricar. Agora, ficava que nem coitado.
Um dia, acordei e ele tinha sumido. Me abandonô. Foi aí que vim pará na
casa de muié-dama.
Geraldo Chacon
(Do meu livro A VIDA QUE EU VI, publicado em e-book, pela Amazon.)