NÃO ERA UM
TUMOR, MAS UM TERROR.
Não era um tumor, mas um terror. Ela
se desesperara ao chegar em casa e abrir o envelope com o resultado do exame.
Não sabia como aguentara fazer a viagem de ônibus com aquilo na bolsa, curiosa,
sem abrir. Talvez por medo, sim, a curiosidade era grande, mas o medo era muito
maior. Agora, não, estava em casa, seu lar, sentia-se protegida pela presença
da ausência dos filhos e do marido. Estava só em casa, crianças na escola,
marido no trabalho e ela ali, reinando, rainha solitária com poder, sim, poder
de fazer o que quisesse e ela queria muito ver o que havia naquele resultado de
exame. Abriu, leu, leu de novo, não dava para acreditar, 20 centímetros, era
isso mesmo, estava lá, por escrito e assinado, vinte centímetros. Era enorme o
tumor, como não sentia nada? Bem, lembrou-se de uma vez que o Dr. César, seu gastroenterologista
examinou-a com as mãos, depois olhou bem para ela e perguntou se sentia dores,
ela disse que não. Ele disse que ela estava com pedra na vesícula. E pediu um
exame, encaminhando-a para o Lavoisier. Feito o exame, voltou ela tão feliz,
triunfante e disse ao médico que não tinha nada. Ele não se conformou:
- Será que
eu errei? Bem, posso errar, mas é difícil. Desculpe-me, mas vou pedir para você
refazer o exame, em outro laboratório.
Não errara!
Ficou confirmado e no mês seguinte realizou a operação retirando duas pedras da
vesícula. A história se repetiu, em outra ocasião, fazendo exame de rotina,
disse-lhe que estava com aquela bactéria chata, a k y esqueci o nome, ah!
Lembrei, Hpilore ou agapilore. Dr. César
perguntou se sentia dor. Ela dissera não ter nada, não sentir dor, mas o exame
confirmou e passou dias tomando aquele monte de remédio para matar a bichinha
importuna. Agora essa merda de exame denunciava que embora não sentisse dor,
estava perto da morte. Um tumor de vinte centímetros. Não queria sofrer tudo
aquilo por que vira passar sua sogra. Melhor seria dar logo um fim à sua vida.
Decidiu rapidamente o que fazer e como. Tinha que aproveitar esse momento de
absoluta solidão. Deixaria uma carta explicando tudo, com o exame do lado,
haveriam de entendê-la. Não só a si mesma, mas também a todos, livraria de
muitos dias de sofrimento. Melhor sofrer tudo de uma vez só.
O marido
chega do trabalho, à noite, e encontra a mulher chorando sem parar, em pânico,
sem conseguir falar, se torcendo toda, gemendo, ganindo, parecendo um animal
ferido em desespero. Mas fazia aquilo não muito alto, se contendo, porque as
crianças já estavam dormindo. O marido não conseguiu obter dela uma explicação,
porque as palavras poucas que pronunciava eram incongruentes. Dizia que não
conseguira se matar porque lembrara das crianças, ficou adiando, mas quando as crianças
chegaram da escola, absurdo, ela tinha conseguido sorrir e fazer tudo como todo
dia, até que as crianças foram dormir, só então se descontrolara. Mas por que
se matar? Que ideia idiota foi essa? Mas as perguntas do marido não eram
respondidas e nova crise de choro e gemidos vinham deixá-la em verdadeiro
delírio. Ele não se aguentou, fez o que já vira em filmes e no teatro, esbofeteou
a esposa. Com os tapas, ela pareceu voltar à realidade. Chorou mais manso, mais
humanamente e conseguiu contar tudo a ele.
- Calma!
Fique calma! Vamos ver isso. Deixe-me ver esse exame.
Ela entregou
o envelope, ele abriu, leu e sorriu.
- Sua tonta!
Já falei tanto para você não ler os resultados antes do médico. Isso aqui só
pode ser erro burro, erro do cretino que datilografou isso. Venha cá, veja só;
vinte centímetros é o meu palmo, olha aqui, do mindinho até o polegar, com
minha mão aberta, dá exatamente vinte centímetros. Agora, deixa eu apalpar sua
barriga, isso, aqui, veja, sinta, estou apertando e não sinto nada. Se houver
algo, deve ser minúsculo.
- Será
possível?
- Claro,
amor. Tenho certeza, o cara errou ao colocar a vírgula. Deve ser algo menor do
que um quarto de centímetro. Deve ser 0,20 e não 20 centímetros. Sabe o que
deve ser? Óvulo. É isso! Você vai ficar menstruada, pode apostar!
E acertou.
Ela conseguiu uma consulta no dia seguinte, alegando necessidade urgente. O
médico quando viu aquilo e a examinou exasperou-se, xingando alguns palavrões.
Realmente, o estúpido, o cretino do sujeito deveria ser demitido por tanta
incapacidade. A coisa era menor ainda do que supunha o marido; o sujeito
escrevera 20 quando deveria ter escrito 0,02. Veja só como vírgula e zero podem
ser importantes e significativos.